O livro dos abraços - Eduardo Galeano

Boa noite leitores, como tem sido o novo ano para vocês? O meu tem sido corrido, mas produtivo. Decidirei que esse ano lerei tantos livros quanto puder, então terei muitas resenhas para postar. Mas hoje falarei em especial de um livro que me acompanhou boa parte do ano que passou. Ganhei ele de uma das professoras que trabalham comigo no Mundo da Leitura (uma pessoa muito legal, diga-se de passagem) e desde então ele me fez chorar, sorrir, divagar e sofrer. O livro em questão é de um dos maiores, se não o maior, escritores latino-americanos, Eduardo Galeano. Também é um dos livros mais conhecidos
dele, apesar de ter uma infinidade de outros, e chama-se "O livro do abraços". A obra "O livro dos abraços" narra as experiências do autor em suas andanças pelo mundo. Uma repórter disse uma vez ao autor que ao ler os livros dele, ela sentia que ele tinha "um olho no microscópio e outro no telescópio", e realmente é isso que esse livro traz, as miudezas vistas pelas suas grandezas.  Como eu disse, eu ganhei esse livro e que sorte eu tive de ganhá-lo. Foi e será sempre um dos melhores livros que li. Quando pensei em falar para vocês sobre esse livro, primeiro pensei em fazer uma resenha, mas como resenhar Eduardo Galeano?!? Vocês já tentaram? Eu pensei e logo desisti. Poderia resenhar cada um dos contos, mas a resenha sairia maior que o conto em si e não expressaria nem um décimo do que expressam as palavras do autor. Podem entender minha dificuldade? Então, lembrei (vocês sabiam que é possível lembrar de coisas que nunca esqueceram?), enfim, lembrei que ao ler havia marcado alguns contos com post-its de duas cores, amarelo e azul. O amarelo para os contos que me deixavam feliz, irônica e me faziam bem. Azul para os contos que me deixavam tristes, me faziam sofrer e pensar durante horas em quanto a vida é injusta. Então o que eu farei hoje será um pouco diferente. Eu irei transcrever (literalmente), esses contos que separei no livro. Vou intercalar contos que me deixam feliz, com contos que me deixam triste. No entanto não identificarei os contos, porque a felicidade e a tristeza pertencem a cada leitor e sua experiência com a leitura. E aos que lerem, contem-nos o que vocês sentiram quando leram, okay? Preparados? Vamos lá.

A PAIXÃO DE DIZER/1
Marcela esteve nas neves do Norte. Em Oslo, uma noite, conheceu uma mulher que canta e conta. Entre canção e canção, essa mulher conta boas histórias, e as conta espiando papeizinhos, como quem lê a sorte de soslaio.
Essa mulher de Oslo veste uma saia imensa, toda cheia de bolsinhos. Dos bolsos vai tirando papeizinhos, um por um, e em cada papelzinho há um boa história para ser contada, uma história de fundação e fundamento, e em cada história há gente que quer tornar a viver por arte de bruxaria. E assim ela vai ressuscitando os esquecidos e os mortos; e das profundidades desta saia vão brotando as andanças e os amores do bicho humano, que vai vivendo, que dizendo vai.

A FUNÇÃO DO LEITOR
Quando Lucia Peláez era pequena, leu um romance escondida. Leu aos pedaços, noite após noite ocultando o livro debaixo do travesseiro. Lucia tinha roubado o romance da biblioteca de cedro onde seu tio guardava os livros preferidos.
Muito caminhou Lucia, enquanto passavam-se os anos. Na busca de fantasmas caminhou pelos rochedos sobre o rio Antióquia, e na busca de gente caminhou pelas ruas das cidades violentas.
Muito caminhou Lucia, e ao longo de seu caminho ia sempre acompanhada pelos ecos daquelas vozes distantes que ela ia escutando, com seus olhos, na infância.
Lucia não tornou a ler aquele livro. Não o reconheceria mais. O livro cresceu tanto dentro dela que agora é outro, agora é dela.

O PAÍS DOS SONHOS
Era um imenso acampamento ao ar livre.
Das cartolas dos magos brotavam alfaces cantoras e pimentões luminosos, e por todas as partes havia gente oferecendo sonhos para trocar. Havia os que queriam trocar um sonho de viagem por um sonho de amores, e havia quem oferecesse um sonho para rir a troco de um sonho para chorar um pranto gostoso.
Um senhor andava ao léu buscando os pedacinhos de seu sonho, despedaçado por culpa de alguém que o tinha atropelado: o senhor ia colhendo os pedacinhos e os colava e com eles fazia um estandarte cheio de cores.
O aguadeiro de sonhos levava água aos que sentiam sede enquanto dormiam. Levava a água nas costas, em uma jarra, e a oferecia em taças altas.
Sobre uma torre havia uma mulher, de túnica branca, penteando a cabeleira, que chegava aos seus pés. O pente soltava sonhos, com todos seus personagens: os sonhos saíam dos cabelos e iam embora pelo ar.

A BUROCRACIA/3
Sixto Martínez fez o serviço militar num quartel de Sevilha.
No meio do pátio desse quartel havia um banquinho. Junto ao banquinho, um soldado montava guarda. Ninguém sabia por que se montava guarda para o banquinho. A guarda era feita porque sim, noite e dia, todas as noites, todos os dias, e de geração em geração os oficiais transmitiam a ordem e os soldados obedeciam. Ninguém nunca questionou, ninguém nunca perguntou. Assim era feito, e sempre tinha sido feito.
E assim continuou sendo feito até que alguém, não sei que general ou coronel, quis conhecer a ordem original. Foi preciso revirar os arquivos a fundo. E depois de muito cavoucar, soube-se. Fazia trinta e um anos, dois meses e quatro dias, que um oficial tinha mandado montar guarda junto ao banquinho, que fora recém-pintado, para que ninguém sentasse na tinta fresca.

CAUSOS/2
Nos antigamentes, dom Verídico semeou casas e gentes em volta do botequim. El Resorte, para que o botequim não se sentisse sozinho. Este causo aconteceu, dizem por aí, no povoado por ele nascido.
E dizem por aí que ali havia um tesouro, escondido na casa de um velhinho todo mequetrefe.
Uma vez por mês, o velhinho, que estava nas últimas, se levantava da cama e ia receber a pensão.
Aproveitando a ausência, alguns ladrões, vindos de Montevidéu, invadiram a casa.
Os ladrões buscaram e buscaram o tesouro em cada canto. A única coisam que encontraram foi um baú de madeira, coberto de trapos, num canto do porão. O tremendo cadeado que o defendia resistiu, invicto, ao ataque das gazuas.
E assim, levaram o baú. Quando finalmente conseguiram abri-lo, já longe dali, descobriram que o baú estava cheio de cartas. Eram cartas de amor que o velhinho tinha recebido ao longo de sua vida.
Os ladrões iam queimar as cartas. Discutiram. Finalmente, decidiram devolvê-las. Uma por uma. Uma por semana.
Desde então, ao meio-dia de cada segunda-feira, o velhinho se sentava no alto da colina. E lá esperava que aparecesse o carteiro no caminho. Mal via o cavalo, gordo de alforjes, entre as árvores, o velhinho desandava a correr. O carteiro, que já sabia, trazia sua carta na mão.
E até São Pedro escutava as batidas daquele coração enlouquecido de alegria por receber palavras de mulher.

A DESMEMÓRIA/2
O medo seca a boca, molha as mãos e mutila. O medo de saber nos condena à ignorância; o medo de fazer nos reduz à impotência. A ditadura militar, medo de escutar, medo de dizer, nos converteu em surdos e mudos. Agora a democracia, que tem medo de recordar, nos adoece de amnésia; mas não se necessita ser Sigmund Freud para saber que não existe tapete que possa ocultar a sujeira da memória.

O MEDO
Certa manhã, ganhamos de presente um coelhinho das Índias.
Chegou em casa numa gaiola. Ao meio-dia, abri a porta da gaiola.
Voltei para casa ao anoitecer e o encontrei tal e qual o havia deixado: gaiola adentro, grudado nas barras, tremendo por causa do susto da liberdade.

A MORTE
Nem dez pessoas iam aos últimos recitais do poeta espanhol Blas de Otero. Mas quando Blas de Otero morreu, muitos milhares de pessoas foram à homenagem fúnebre feita numa arena de touros em Madrid. Ele não ficou sabendo.

Bom, tem muitos mais que eu amo e que me fazem chorar, mas vou deixá-los por enquanto para pensarem nesses.
Abraços.


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